Filme do Dia: Dois na Gangorra (1962), Robert Wise

 


Dois na Gangorra (Two for the Seesaw, EUA, 1962). Direção Robert Wise. Rot. Adaptado Isobel Lennart, a partir da peça de William Gibson. Fotografia Ted D. McCord. Música André Previn. Montagem Stuart Gilmore. Dir. de arte Boris Leven. Cenografia Edward G. Boyle. Guarda Roupa Bert Henrikson. Com Robert Mitchum, Shirley MacLaine, Edmon Ryan, Elisabeth Fraser, Eddie Firestone, Billy Gray.

Jerry Ryan (Mitchum), advogado do Nebraska, recém-separado, viaja para Nova York, onde tenta estabelecer uma relação romântica com a aspirante à dançarina, Gittel Mosca (MacLaine), que conheceu em uma festa de amigos em comum. Enquanto consegue um emprego na cidade, Jerry ao mesmo tempo ajuda Gittel a ter seu ateliê para aulas de dança. Em meio aos planos de viverem juntos, Gittel descobre Jerry ter sonegado sobre o divórcio da esposa, concretizado duas semanas antes, e sobre o qual ainda se encontra emocionalmente dividido, como honestamente confirma a ela. Uma nova tempestade ocorre entre os dois, e ao final dela, ambos decidem sobre a continuidade ou não do relacionamento.

O rápido reconhecimento de terreno feito por Jerry no pardieiro em festa do amigo é uma notável observação de como o mundo artístico ainda não institucionalizado era observado pelo cinema (os papos intelectuais dos casais) e a composição do mesmo, uma fauna a abrigar artistas, gays-beats, negros, músicos, e os liberais brancos “esclarecidos” de plantão. Tudo demasiado permissivo e avacalhado para alguém como Jerry. A notável fotografia em p&b, não pretende exatamente ser bela, mas traz consigo a difícil tarefa de compor algumas das mais belas imagens do skyline de Nova York, quase a nos fazer desejar vivenciar aquele espaço e aquele momento. E houve outro preto & branco que mais lindamente ilustrou a luminosidade de postes públicos ou de um lustre, mesmo sendo ambos provavelmente produzidos em estúdio, que o da época? E a imagem um tanto horizontalizada em Panavision é uma excelente parceira para cenas como a de Mitchum e MacLaine a comerem e conversarem no restaurante chinês.  É comovente o quanto Hollywood tentava buscar um nível de sofisticação em resposta ao boom autoral europeu nos idos da década de 60. Um sinal distintivo em relação aos romances do cinema clássico que poderia passar desapercebido, é o fato de Jerry e Gittel estarem numa mesma festa, mas mal interagirem, buscando ele uma aproximação posterior via telefone. E nessa toada podemos imaginar o corrido e acidentado café da manhã de Gittel como uma antecessora menos consciente de sua “deselegância discreta” a se formar em nova elegância descolada de Glenda Jackson, em cena equivalente de Domingo Maldito. E infelizmente a cena do café será uma exceção em um filme que logo demonstrará seu apreço sobre sua origem teatral e intermináveis falas. Embora existam outros relances de brilho, como a cena na qual Gittel improvisa movimentos de dança sobre a claraboia do novo estúdio. Boa parte das cenas de diálogo intenso se dão pelo casal ao telefone, cada qual em seu apartamento, mais parecendo uma construção contígua no estúdio que uma divisão da imagem.   E sua sofisticação vai no limite de Gittel perguntar a Jerry se ele é queer, o que resultará no momento em que Mitchum poderá reassumir de vez sua persona dos dias de glória (não muito distantes) e beijar MacLaine como havia beijado Monroe e tantas outras, a partir de um súbito impacto, e deixar de lado a chatice deste mundo que terá que lidar, em doses módicas, por conta de sua atração por ela. Ou talvez não, pois MacLaine crescentemente se anula em prol da relação. MacLaine faz um impressionante trabalho de interpretação com sua máscara facial, e sobretudo seus olhos enquanto verdadeiros faróis a nos guiarem para seus sentimentos, e se estes são pura platitude não é exatamente um problema dela ou mesmo do filme. E tentam reproduzir, em alguns momentos, com um paternalismo a reproduzir o de Jerry,  o provincianismo das megalópoles, pois nunca saiu de Nova York, e confunde Nebraska com Nevada.  O mais cansativo deste filme, antes de tudo, é justamente o paternalismo com que Jerry cuida de Gittel. E o fato dela possuir problemas de saúde apenas agrava a situação pois, no frigir dos ovos, ela é uma pretensa mulher independente em busca de um homem, lutando contra sua própria fragilidade feminina, mas a se sentir plena e desarmada de espírito, com um olhar doce e pidão e uma lágrima no rosto, quando Jerry é protetor e sai afirmando que  deve se cuidar, pois “lhe pertence”. O final, redime um pouco desta imagem, mas pode ser posto na conta das pretensões de sofisticação. E também contando como uma espécie de superação em relação a vida afetiva prévia de Gittel, ao menos em seu discurso. E consegue provocar o seu efeito. Wise é o típico diretor que se apaga diante de seu material. Quem irá ligar este filme a O Dia em que a Terra Parou, A Noviça Rebelde, Marcado pela Sarjeta ou o retumbante sucesso recente Amor, Sublime Amor? |Argyle Prod./Seesaw Prod./Talbot Prod./The Mirisch Co. 119 minutos.

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