Filme do Dia: Bonequinha de Seda (1936), Oduvaldo Vianna
Bonequinha de Seda
(Brasil, 1936). Direção e Rot. Original Oduvaldo Vianna. Fotografia Edgar
Brasil. Música Francisco Mignone. Montagem Luciano Trigo. Cenografia Hippólito
Colombo, Murilo Lopes & Manoel Rocha. Figurinos Alcebíades Monteiro Filho &
Armando Pontes. Com Gilda de Abreu, Delorges Caminha, Conchita de Moraes, Dea
Selva, Wilson Porto, Darcy Cazarré, Mira Magrassi, Apolo Correia.
Marilda (de
Abreu) é uma garota com dificuldades materiais, até ser ajudada por amiga rica
e se tornar uma verdadeira bonequinha de seda, e na mansão da avó, Madame Valle
(Moraes) da amiga (Selva), que faz passar por dela própria, é apresentada ao
jovem João Siqueira (Caminha), primeiro através da voz, posteriormente
presencialmente. O mesmo janota que sempre a destratara, assim como seu amigo,
quando iam atrás de ajuda financeira. E que voltará a fazê-lo, quando Marilda
volta a se vestir como pobre, modificar o cabelo e usar óculos, encarnando a
filha do alfaiate, vindo a ser protegida de ninguém menos que... Marilda. Após
desfazer da filha do alfaiate para a própria Marilda, esta desliga o telefone.
E no reencontro, Marilda não apenas defende sua “protegida”, como ainda imita o
gesto “daquela”, virando o tinteiro sobre documentos na mesa de João Siqueira.
Um dos
notórios cacoetes da cinematografia brasileira do período, herdada certamente
do teatro, são as falas, um tanto artificiais, nas quais um personagem dá a
deixa para que o outro complemente a frase (algo a ser percebido em filmes como
Argila). E o que dizer da
cena na qual Marilda se encanta com sua própria imagem na fonte, revivida de
forma mais prolongada e bela no filme de Mauro? Embora a elite estrangeirizada,
aquela mais plenamente coincidente com a Primeira República seja caricaturada
em seus estrangeirismos, a heroína, quando passa a circular no meio, não se
propõe a uma postura diferenciada, como fará a Luciana do filme de Mauro, e
essa pertencente a própria elite. Inclusive, Marilda acrescenta a sua fala um
falso sotaque parisiense. Os cenários art déco, os figurinos
caprichados, a fotografia a destacar as joias reluzentes de Marilda, ou o rosto
desta espelhado em um móvel e os chistes pretensamente
sofisticados-espirituosos, tudo levaria a concretização do desejo (já antigo)
de Adhemar Gonzaga por um cinema fotogênico. E nessa conta também podem ser
postos os planos a se pretenderem virtuosos, a descortinarem o ambiente da
mansão de Marilda quando de sua apresentação. Evidentemente nem de longe se
sugere ser culpa do grande Edgar Brasil (Limite, Ganga Bruta, já constavam do
seu currículo à altura). E haja cantorias líricas intermináveis – embora,
curiosamente, em sua primeira apresentação profissional seja a dança e não o
canto a ser enfatizada. Apesar de tudo, há uma sátira do romantismo mais
destituído de ironia, como é o caso da cena de João Siqueira ao telefone,
descrevendo como imagina Marilda estar vestida, em tudo contrário aos seus
trajes, seja pelas cores contrárias, ou seu sofrível par de sapatos. A cena da
virada do tinteiro, em que Marilda duplica o feito quando encarnava a filha do
alfaiate é provavelmente inspirada no humor das “comédias malucas”
contemporâneas. E também o momento no qual os criados se despem de sua postura
habitual, com os patrões fora, e o mordomo decide se deitar em uma espreguiçadeira,
com óculos e jornal do patrão enquanto a criada come a papinha a ser servida a
arara. Porém é pouco, no panorama geral, para a indigência narrativa (neste
quesito, até mesmo outras produções do estúdio são um pouco menos precárias,
tais como Onde
Estás Felicidade e Maridinho
de Luxo) em
gritante oposição ao cuidado com os valores de produção. Cinédia. 112 minutos.
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