Filme do Dia: Pai e Filho (2003), Aleksandr Sokurov
Pai e Filho (Otetes i
Syn, Rússia/Alemanha/Itália/Holanda, 2003). Direção: Aleksandr Sukorov. Rot.
Original: Sergei Potepalov. Fotografia: Aleksandr Burov. Dir. de arte: Natalya
Kochergina. Com: Andrei Shchetinin, Aleksei Nejmyshev, Aleksandr Razbash,
Fyodor Lavrov, Marina Zasukhina, João Gonçalves.
Jovem militar Aleksei (Nejmyshev)
percebe sua relação com sua namorada (Zasukhina), que possui outro amante mais
velho, terminar, ao mesmo tempo que se sente “crucificado” pelo amor do pai
(Shchetinin) e ciceroneia outro jovem, Fyodor (Lavrov), filho de um
ex-companheiro de exército do pai desaparecido.
O enredo em si mesmo tem dimensão
modesta perante o potencial evocativo de traduzir uma atmosfera que é um
verdadeiro “estado da alma” do protagonista. Embora possua uma visível
influência literária, o filme de Sokurov irá construir essa perspicácia para
com uma subjetividade ao mesmo tempo densa e a qual se tem pouco acesso através
de imagens de uma beleza que em muito transcende qualquer realismo chão. Embora
não opere com a explicitação quase “didática” dos conflitos psicológicos
vivenciados pelos seus personagens mesclando “sonho” e “realidade” como em
certos filmes de Bergman, Sokurov irá construir tal sensibilidade através de
uma rigorosa conjunção de elementos. Esses são, entre outros, fotografia,
direção de arte (os cenários são um caso à parte enquanto elementos
potencializadores da construção dessa sensibilidade, algo que transcende
igualmente para a estranheza que persiste nas próprias locações escolhidas),
direção de atores, a trilha musical inspirada em temas de Tchaikovsky e
estruturação dos planos. No último caso, é magistral e poético o que ele
consegue extrair, por exemplo, de um recurso tão vulgarizado pelo cinema
clássico americano quanto o plano e contra-plano na seqüência do encontro entre
Aleksei e sua namorada. O mais extraordinário de sua façanha é transcender de
muito o realismo e se aproximar de uma dimensão quase “espiritual” de seu
protagonista e do mundo que o cerca que evoca grandemente Tarkovski sem apelar
como esse para qualquer momento de explícita transcendência (seja os minutos de
imponderabilidade em Solaris ou a
levitação de personagens em O Espelho
ou O Sacrifício). É interessante,
nesse sentido, quando Aleksei parece levitar a partir do nada e logo depois se
descobre que, na verdade, ele faz exercícios com argolas. Sua recusa de
abandonar de todo situações banais, ainda que sem o detalhismo do gesto
presente em Bresson e Tarkovski e seu evidente desprezo por uma narrativa
realista podem confundir o espectador incauto sugerindo um formalismo
inconsistente. Também devem ter sido influências para esse distinto
estranhamento construído pelo cineasta a literatura de Dostoiévski e Kafka. O
Prêmio FIPRESCI no Festival de Cannes levou em conta além da extraordinária
beleza das imagens a tampouco menos desprezível maneira pouco ortodoxa em que
se manifesta a relação de amor entre pai e filho, no limite de se transformar
numa relação plenamente sexuada como presente nas imagens iniciais. Isabella
Films B.V/Lumen Films/Mikado Film S.r.l/Nikola Film/Zero Film GmbH. 83 minutos.
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