Filme do Dia: Justiça (2004), Maria Augusta Ramos


 Justiça





Justiça (Brasil/Holanda, 2004). Direção e Rot. Original: Maria Augusta Ramos. Fotografia: Flávia Zangrandi. Montagem: Joana Collier, Maria Augusta Ramos & Viviane Rodrigues de Brito.

Documentário filiado a linha do Cinema Direto que acompanha a trajetória de algumas pessoas que transitam pelo sistema judicial brasileiro. Apesar de inicialmente possa ser sugerida uma proximidade com outras realizações documentais tais como Violência Doméstica 2 (2002), de Frederick Wiseman ou o anterior Presos em Flagrante (1994), de Raymond Depardon, aqui se vai além dos ambientes dos tribunais e se observa alguns dos envolvidos em sua rotina cotidiana, como é o caso da mãe de Cléber, o preso a qual se dá destaque ao filme, num culto evangélico, a defensora pública Maria Ignez jantando com os pais ou buscando a filha na escola, o parto da companheira de Cléber e o nascimento de sua filha ou a juíza Fátima Maria Clemente tomando posse como desembargadora – não por coincidência a única das personagens que somente é observada fora do ambiente de trabalho em um evento púlico de ascensão profissional e não na própria intimidade. A observância do princípio de não presenciamento do dispositivo de filmagem pelos que se encontram filmados é observada de forma algo rigorosa, no máximo sendo sugerido, a determinado momento, quando Maria Ignez busca sua filha na escola, que o fato do banco onde a menina se acomoda se encontra um pouco mais adiantado para acomodar o equipamento de filmagem na parte traseira. Tal como as produções norte-americana e francesa existe uma evidente postura distanciada emocionalmente em tudo o que observa, a requerer o evidente estranhamento de todos os discursos proferidos diante da câmera – sobretudo o discurso eminentemente conservador que acompanha a saudação da nova desembargadora, apoiado (ao menos no trecho apresentado) exclusivamente numa lógica da criminalização através do rigor exemplificado pela mesma. E é não menos que irônico a contraposição criada na qual esse mesmo rigor que a levará a galgar a aprovação de seus pares é o que conduz Cléber de volta aos corredores imaculadamente limpos e iluminados do fórum e a cadeia super-povoada e imunda, da qual se observa a multidão de braços postos para fora. Em termos formais, as imagens dispostas por uma câmera fixa sempre no mesmo ponto dos corredores do fórum reforça uma dimensão de enquadramento, mecanicismo e falta de real contato humano.  Como se não bastasse o que já é apresentado pelas imagens, observa-se, em um jantar familiar com a defensora Maria Ignez, seu espanto diante da postura de um de seus colegas de profissão de que ninguém é preso no Brasil, sendo que a multidão que vive nas prisões é, como ela mesma afirma de “pé rapados”, acompanhado de um enigmático silêncio de seus familiares (de compreensão? de empatia? de discordância silenciosa? timidez?). Uma das cenas mais tocantes do filme é a que Alan, de 18 anos mas aparentando bem menos e que sua tia e responsável havia afirmado pesar apenas 48 quilos, sai do cárcere e espera pelo ônibus, ainda desorientado com a liberdade e sem ninguém para acolhê-lo à saída, destacando-se no plano da imagem seus pés visivelmente inchados.  Limite Prod./NPS/Selfmade Films. 100 minutos.




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