Filme do Dia: Guerra ao Terror (2008), Kathryn Bigelow
Guerra ao Terror (The Hurt Locker, EUA, 2008). Direção: Kathryn Bigelow. Rot.
Original: Marc Boal. Fotografia: Barry Ackroyd. Música: Marco Beltrami &
Marco Sanders. Montagem: Chris Innis & Bob Murawski. Dir. de arte: Karl
Júlíusson & David Bryan. Cenografia: Amin Charif El Masri. Figurinos:
George L. Little & Vicky Mulholland. Com: Jeremy Renner, Anthony Mackie, Brian Geraghty, Guy Pearce, Ralph
Fiennes, David Morse, Evangeline Lilly, Christian Camargo.
Iraque, 2004. O
especialista em desarmar bombas William James (Renner) passa a trabalhar com a
equipe do sargento Sanborn (Mackie), que acabara de perder seu especialista
numa detonação. A relação se torna tensa, já que James não escuta as ordens de
Sanborn, procurando fazer as coisas a seu modo. Porém, uma confiança crescente
passa a surgir entre dos dois, a partir dos muitos momentos de risco de vida e
perda de amigos que vivenciam em suas missões. Bem próximo a eles se encontra o
especialista Eldridge (Geraghty), mais imediatamente impactado e sensível ao
terror que os rodeia. Tendo desarmado mais de 800 bombas, nas situações mais
insólitas – uma delas extraída de dentro do cadáver de uma criança que
acreditava ter sido uma das crianças que brincava com ele e lhe vendia DVDs –
James retorna para a esposa e filha, mas acaba não conseguindo se manter muito
longe do cenário da guerra, quando ouve notícias de novas explosões e mortos.
A epígrafe do
filme, que equivocadamente pode até ser lida inicialmente como uma mensagem
idealista contra a guerra, rapidamente se adéqua ao próprio perfil de seu
protagonista. O que se destaca da frase é que a guerra é uma droga. Ela torna
James literalmente dependente da adrenalina máxima que o leva a situações constantes
de risco de morte. Certamente é algo positivo que a epigrafe possa ser
rapidamente decifrada em seu real teor, pois o filme certamente se tornaria
bastante hipócrita se esta fosse uma mensagem anti-bélica, no mesmo estilo dos
filmes que, desde Griffith, conclamam contra os vícios da humanidade apenas
como pretexto para apresentar tais vícios. No caso do filme de Bigelow, esta
opção se demonstra perigosamente restrita a tentar incorporar o espectador na
mesma adrenalina viciante. O filme atualiza, em termos do realismo das imagens,
a tensão do campo de batalha. Nos seus primeiros trinta minutos procura-se uma
perspectiva quase “documental” e anódina do que se retrata, relativamente
distanciada e “de fora”, antes que as convenções que fecham o cerco na figura
de seus personagens mais próximos, os traguem rumo a convenções bem mais
comuns. Tal perspectiva é auxiliada pela ausência de nomes famosos, à exceção
de uma pequena ponta de Fiennes. Em
termos cosméticos, até apela para uma
referência auto-consciente a valores que sempre se encontraram subliminares em
filmes do gênero e no cinema americano em geral, como a amizade entre
“camaradas”, satirizada aqui de modo grotesco na simulação de sexo entre
Sanborn e James, empreendida pelo último. Mas, no cômputo final, apenas
reafirma as convenções mais arcaicas possíveis do filme de guerra. Renner, uma
versão mais jovem de Russel Crowe e igualmente máscula, encarna o homem acima
das convenções, regido apenas pelo seu instinto, que quase nunca demonstra ser
equivocado – quando este falha, como no caso do garoto por quem se afeiçoou,
ele prefere simplesmente sepultar as tensões trazidas pelo retorno do que se
encontra recalcado - na melhor tradição de John Wayne. Sanborn é o seu
contraponto sensato e por demais adestrado dentro das convenções para ser
efetivamente interessante, em termos dramáticos, além de ser negro. Juntos
formariam o ser ideal. Para que as tintas não fiquem demasiado carregadas em
seu protagonista, tornando uma versão apenas mais complexa e matizada de um
Rambo, quem aponta a arma e mata os inimigos é Sanborn, sendo a tarefa
primordial de James mais sutil e ardilosa, evitar as mortes provocadas pelas
bombas. Ele vai até o limite do possível, arriscando a própria vida para salvar
a alheia, como é literalmente o caso do homem-bomba desesperado que não
consegue se desvencilhar de sua carga. Tampouco em termos da representação dos
iraquianos o filme avança, pois eles são sempre observados com o mesmo olhar desconfiado ou paternalista de
seus necessariamente paranóicos militares. Enfim, torna-se pouco mais que pano
de fundo para quem realmente importa. É muito pouco, mesmo quando se compara
com outras produções de destaque que lidam com questões contemporâneas, tais
como Babel. Ou, visto sob outra perspectiva,
muito barulho por nada, ou seja, tudo que há de virtuoso no filme, em termos técnicos e mesmo dramáticos,
reduzindo-se ao voyeurismo das sensações mais imediatas do gozo com o perigo e
o risco de morte de seus soldados, como querendo tornar seus espectadores
dublês de seu neurótico herói. Voltage
Pictures/Grosvernor Park Media/FCEF/First Light Prod./Kingsgate Films para
Summit Ent. 131 minutos.
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