Filme do Dia: Cleópatra (1970), Osamu Tezuka & Eiichi Yamamoto
Cleópatra (Kureopatora,
Japão, 1970). Direção: Osamu Tezuka & Eiichi Yamamoto. Rot. Original: Osamu
Tezuka & Shigemi Satoyoshi. Fotografia: Katsuharu Misawa. Música: Isao
Tomita. Montagem: Masashi Furukawa. Dir. de arte: Kazue Itô. Cenografia:
Tatsuro Fukada.
A egípicia Cleópatra é transformada, com o
auxílio da feiticeira que a serve, numa linda mulher, que seduz o imperador
romano Júlio César. O intento da feiticeira é de fazer com que Cleópatra,
tornada rainha, assassine o líder romano que escravizara o Egito. Cleopatra
tenta, mas o veneno que lhe dá acaba, na verdade, por curá-lo de uma reação
mortal que sente ocasionalmente. A vaidade de Júlio César faz com que erga
monumentos a si próprio por toda Roma e se torne impopular junto à população.
Cleópatra e a feiticeira articulam seu assassinato. Seu sucessor, Marco
Antônio, é igualmente seduzido pela beleza de Cleópatra e se torna o grande
amor de sua vida. A feiticeira pressiona Cleópatra para que também o assassine,
mas ela desiste no último momento. Marco
Antônio, mesmo sabendo de toda a conspiração para matá-lo, nunca suspeita de
Cleópatra, morrendo em seus braços, após chegar ferido do combate. Cleópatra
foge para o Egito e quando mais uma vez se encontra na posição difícil de optar
por sua nação (e igualmente sua morte) ou voltar para Roma, sob a proteção do
imperador Otávio, decide pela morte.
Certamente há algo de
desnecessário nesta fabulosa animação de longa-metragem. Sua moldura futurista
aonde a narrativa de Cleópatra se desenvolve, através do envio de alguns
personagens para vivenciarem suas figuras históricas. Assim como também é
perfeitamente dispensável os personagens que vivenciam a trama amorosa
secundária, Líbia e seu amado. Aliás, uma em parte, surge como decorrência da
outra – estes personagens sequer existiriam se não houvesse a necessidade de
criar a história futurista. Nada disso, nem tampouco os traços da própria
animação, nada muito diversos da trivial produção cotidiana para a TV, tiram o
brilho deste ousado filme. Certamente influenciado pelo clima libertário da
época, seus realizadores conseguiram uma justa medida para suas idiossincrasias,
o que acaba provocando um efeito surpreendente, justamente por se dar em
momentos pontuais. Como é o caso de estratégias que apresentam a intervenção
direta extra-diegética, em sua forma mais bem aprimorada na seqüência de luta
que tem parte repetida em câmera lenta. Mas é sobretudo, no desfile em
homenagem a César, completamente construído a partir de referências da história
da arte, que elas se dão talvez de modo mais criativo. Sua sexualidade intensa,
mas na maior parte longe de vulgar, como quando César aperta o seio de Líbia,
escrava recém-adquirida ou, quando numa evocação do sexo entre este e
Cleópatra, tem-se apenas uma menção quase abstrata de duas linhas básicas em
movimento, que sugerem seus corpos em cópula. Ao longo de todo o filme, somos
surpreendidos, pela criatividade igualmente dosada que se manifesta também em
termos de narrativa – apesar de ter vindo de outra época, praticamente o único
objeto moderno que surge, e de forma definitiva salva a vida do escravo que
guerreia no coliseu, é o revólver. Seu erotismo, é passível de ser acusado de
misógino, sobretudo no modo escrachado com que é sugerido o estupro de mulheres
ao início. Ou na própria figura malandra do Leopardo de Cleópatra (mais um dos
personagens que vem do futuro, mas este sim mais essencial que os outros, no
seu contraponto cômico) que chega a lamber os belos seios de Líbia, a
determinado momento. E literalmente baba por sua dona, chegando a se aproveitar
de um momento de impotência da mesma, enrolada dentro de um saco, para tentar
satisfazer sua tara, no único momento que talvez seja efetivamente vulgar, mas
nem por isso destituído de humor. Mesmo que tal misoginia possa ser posta em
suspensão, pela presença de mulheres que estão longe de serem meramente passivas,
sobretudo no movimento coletivo na qual fazem uso do sexo para desviarem toda e
qualquer atenção dos soldados de Marco Antônio, tendo em vista a realização de
seu assassinato. Sem falar que o próprio
Marco Antônio é mais completa e sinceramente apaixonado por Cleópatra do que o
oposto. Em outros momentos, o que surpreende é a própria situação, como a
ousada cena na qual a mãe de Marco Antônio, completamente despida, deixa mais
que evidente o quão secundária é Cleópatra na vida de seu filho. Na verdade, o que torna tudo mais
interessante, é que o senso criativo perfeitamente antenado com o ideal
libertário da época na qual foi produzido está longe de fazer quase qualquer
uso direto de motivos mais francamente associados com a mesma, como traços
psicodélicos –a única exceção sendo uma seqüência de imagens levemente
caleidoscópicas. Dentre outros fugidios momentos de humor escrachado,
sorrateiros por sua marginalidade em relação à trama principal, encontram-se o
que Cleópatra ao passar pela operação que a transforma da horrorosa moça
sardenta que era na beldade desejada por todos, deita-se no leito que fora
anteriormente ocupado por ninguém menos que Frankenstein ou, ainda mais
discreto, o que Lupa, o leopardo, faz uso de
um secador de cabelo com seu próprio rabo. Outros mais diretos são os
que a faca que ela pensara em matar Júlio César é motivo para que ele a
interprete equivocadamente, quando forma um grande volume entre suas pernas e
ele exclama uma saborosa tirada. Destaque igualmente para a cena na qual
Otávio, ao invés de se interessar por Lybia, alucina e perde a compostura
diante do corpo viril de seu amante. Com tantas características excêntricas quase
passa batida a estranheza de se ver romanos e egípcios falando japonês. Foi mal interpretado ou deliberadamente
utilizado como produto de exploração erótica quando lançado internacionalmente
– sob o ridículo título de Cleópatra,
Queen of Sex. Ao início, uma
evidente referência ao já cultuado 2001
– Uma Odisséia no Espaço (1968), de Kubrick. Mushi Prod. para Nippon Herald
Eiga. 112 minutos.
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