Filme do Dia: Aplausos (1929), Rouben Mamoulian
Aplausos (Applause,
EUA, 1929). Direção: Rouben Mamoulian. Rot. Adaptado: Garret Fort, baseado no
romance de Beth Brown. Fotografia: George J. Folsey. Montagem:
John Bassler. Com: Helen Morgan, Joan Peers, Fuller Mellish Jr., Jack Cameron,
Harry Wadsworth, Roy Hargrave, Doroth Cumming, Mack Gray, Jack Singer.
Kitty Darling (Morgan) é uma artista
de vaudeville que decide enviar a filha, April (Peers) para longe do mundo do
entretenimento. Porém, a saída da mesma do colégio católico a leva ao contato
conflituoso com a cidade grande, o mundo da boemia e um padrasto abusivo. Numa
incursão solitária, Kitty encontra o marinheiro Tony (Wadsworth), por quem se
apaixona e promete casar. Com a decadência da carreira da mãe, no entanto,
Kitty se sente obrigada em assumir as obrigações com o mundo do vaudeville, o
qual detesta, e rompe relações com o noivo Tony. A mãe, sem saber do ocorrido e
recusada por outros empresários do meio, decide se suicidar. Helen estréia no
palco e, para sua surpresa, encontra Tony nos bastidores.
No melhor momento de sua carreira,
Mamoulian, estreando na direção e que juntamente com King Vidor (A Turba)
é um dos cineastas mais criativos dessa transição do cinema mudo para o sonoro,
antecipa muito dos temas do melodrama feminino da década seguinte, porém com um
estilo visual muito mais arrojado. É a partir da relação entre mãe e filha que
se estruturará o principal conflito dramático do filme, de matizes semelhantes
ao que será desenvolvido posteriormente por filmes como Stella Dallas (1937),
de Vidor. O estilo mais desabusado e abertamente franco com relação a
sexualidade, algo impensável para os tempos do Código Hays, demonstra
igualmente aqui sua presença: da decadência da mãe, vivida por uma atriz de
estampa semelhante ao próprio papel que interpreta e o assédio sexual sofrido
pela filha nas ruas, passando pela atração sexual desenvolvida pelo padrasto
infame. E para tudo isso Mamoulian faz uso da criatividade visual, focando
apenas o movimento das pernas dos transeuntes que abordam April, até que ela encontre
o seu protetor ou apresentando um curioso plano que pretende ser o equivalente
do olhar indiscreto do padrasto tarado para a enteada. Algo que se aplica ao
restante do filme, com seus longos e virtuosos planos-seqüências que por vezes
vão e retornam ao ponto inicial. Cuidado que também pode ser percebido no
tratamento do som, com modulações que se ajustam ao distanciamento dos
personagens diante da câmera. Ainda que o aparente trágico desenlace da
história de amor venha ser substituído por um arranjo inconvincente de final
feliz, roubando parcialmente sua aura agridoce antecipadora de filmes como Um Dia em Nova York (1949) – aliás o personagem vivido pelo estreante
Wadsworth antecipa não apenas a profissão e o figurino como a aura de
sensualidade de Kelly – ou Os Guarda-Chuvas do Amor (1964).
Parcialmente, porque na verdade o reencontro de April com seu amado, provável
arranjo para não indispor o filme com o grande público, dá-se sobre a foto
soberana da mãe morta e cuja morte somente é testemunhada pelo espectador.
Destaque para a beleza da cena na qual o casal se encontra na ponte do Brooklyn
sonhando com um futuro em comum. E para o inusitadamente moderno movimento de
câmera que acompanha de longe o trajeto inicial do casal pela mesma ponte. E
ainda para as extravagantes tomadas de câmera que observam do alto o séquito de
dançarinas visitando Kitty com seu bebê recém-nascido no leito ou se aproximam
e distanciam da madre superiora e de April no colégio interno, tornando a cena
um equivalente do próprio palco teatral. O que mais chama a atenção no filme é
o quanto o realizador conseguiu driblar tão precocemente os impedimentos que o
recém-lançado sistema de sonorização impunha a maior parte dos filmes com
relação a movimentação da câmera e, talvez em parte por isso, proporcionar um brilho próprio a uma história
tão potencialmente caricata em seu apelo melodramático. National Film Registry
em 2006. Paramount Picures. 80 minutos.
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