Filme do Dia: Corruption of the Damned (1965), George Kuchar
Corruption of the Damned (EUA, 1965). Direção: George Kuchar. Rot.
Original: Ruthy. Com: Floraine Connors, Mary Flanagan, Donna Kerness, Mike
Kuchar, Frances Leibowitz, Larry Leibowitz, Steve Packard, Gina Zuckerman,
Michael Zuckerman.
John (Kuchar) procurando se vingar de
sua namorada Cora, envolve-se numa série de situações que incluem a negação da
mãe, que se suicida e um acidente de automóvel que destrói o carro que havia
pegado da tia. Quando decide ligar para a mesma para contar o que houvera com o
carro, envolve-se com uma outra mulher (Connors) e se vê as voltas com um
grupo de gângsters.
Pouco importa o enredo rocambolesco
nessa delirante e, não poucas vezes, histriônica sátiraunderground ao
universo dos filmes de gênero dos grandes estúdios, seja ao filme de horror
(numa breve seqüência que evoca uma sessão espírita), a comédia pastelão muda
(todo o filme faz uso apenas de trilha sonora e os diálogos surgem em cartelas)
ou mais fortemente o melodrama e o thriller noir. O elemento
hilário se encontra associado tanto as representações, abertamente empostadas,
como na afetação de mulher oprimida vivida por Connors ou na caricatura da
matrona/mãe recorrente no universo de Kuchar (a exemplo de Hold me
While i´m Naked), ou na sandice ninfômana da tia quanto a própria
precariedade da produção. Ainda assim, pode-se perceber que o filme dialoga com
boa parte da história do cinema, seja com o surrealismo de Buñuel (notadamente O Cão Andaluz,
na abolição de uma concepção de espaço mais estruturada e na seqüência final,
com o irmão do protagonista vestido em trajes femininos), com o filme-B
americano de horror, com o cinema noir, com a nouvelle
vague, que já havia parodiado à sua maneira com esse cinema noir,
etc. Em certo momento que dois personagens iniciam um contato amoroso em um
cemitério, a garota afirma que eles se encontram em cima da tumba de sua avó, que
possui como sobrenome Bogart. Em outro momento, com o protagonista e seu irmão
no carro da tia, parodia-se com a filmagem em estúdio dos interiores de um
carro (de modo semelhante ao que Godardfizera com a montagem e o olhar para a
câmera em uma seqüência também ao volante em seuAcossado), dada o inverossímil da situação,
com John chegando a dirigir o volante com os pés. A misoginia, já presente em
boa parte do material que serviu como fonte de inspiração, aqui ganha contornos
acentuadamente gays, seja na figura da mãe controladora (que, num
dos momentos mais hilariantes do filme, ameaça matar os filhos se eles lhe
abandonarem) ou em representações da mulher não menos que patéticas em sua
submissão aos homens e que sofrem diversas formas de violência. Algo que
tampouco escapa o universo masculino, na canastrice acentuada de seu “herói”,
vivido pelo irmão gêmeo do realizador, como na longa seqüência final, paródia
explícita a O Grande Golpe (1955), deKubrick, em que John acerta exatamente no ânus
de um de seus rivais com sua flecha. Para além de toda a reciclagem criativa
dos protocolos de gêneros consagrados e de uma trilha sonora indispensável para
o tom farsesco (algo que O Bandido da Luz Vermelha fizera com
dimensões que ultrapassam de longe o mero fim cômico), ainda sobram momentos
até mesmo de lirismo visual, como o do encontro de John e uma de suas amantes.
O filme inicialmente foi dirigido por Mike Kuchar, bem menos prolífico que o
irmão, que abandonou o projeto para ingressar em seu filme mais
conhecido, Sins of the Fleshapoids. 50
Publicado originalmente em 18/06/2015
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