Filme do Dia: Manji (1964), Yasuzo Masumura
Manji (Japão, 1964). Direção: Yasuzô
Masumura. Rot. Adaptado: Kaneto Shindô, a partir do romance. Fotografia: Setsuo
Kobayashi. Música: Tadashi Yamauchi. Montagem: Tatsuji Nakashizu. Dir. de arte:
Tomoo Shimogawara. Com: Kyôko Kishida, Ayako Wakao, Yûsuke Kawazu, Eiji
Funakoshi, Ken Mitsuda, Reiko Hibiki, Fumiko Murata, Kyoko Nagumo.
Sonoko (Kishida),
aborrecida com seu cotidiano conjugal, apaixona-se perdidamente por Mitsuko
(Wakao), sensual moça que conhece na escola de arte que frequenta. As duas
passam a viver uma relação que o marido de Sonoko, Kotaro (Funakoshi) se torna
consciente. Sonoko descobre que Mitsuko é noiva do mau caráter e chantagista
Watanuki (Kawasu). Após tempos desaparecida, Mitsuko volta a procurar Sonoko
alegando se encontrar grávida de Watanuki. As duas forjam uma tentativa de
suicídio com soníferos que resulta, após a chegada de Kotaro, na relação entre
esse e Mitsuko, que provoca ciúmes doentios de Sonoko. Watanuki revela o triângulo
amoroso para a imprensa, comprometendo a carreira de advogado de Kotaro.
Mitsuko passa a ser disputada pelo casal que os induz a uma crescente
dependência dos soníferos e, no limite, a um pacto de morte entre os três, dos
quais apenas Sonoko sobrevive para contar a história.
O talento e a
versatilidade de Masumura trafega de dramas contemporâneos de extrema ousadia
na abordagem do desejo feminino, inclusive, como esse até produções que seguem
a tradição dos amantes renegados, mais próxima de Mizoguchi, e igualmente
filmadas de modo mais clássico e em p&b, como A Esposa de Seisaku, filmado inclusive após esse! Narrado enquanto
representação visual das declarações de Sonoko para um escritor, que bem
poderia ser duplo de um psicanalista, o filme surpreende pela ousadia na
representação do amor lésbico, ainda que sob o subterfúgio de uma visada do
belo enquanto objeto de apreciação estética, na cena de talvez maior voltagem
erótica. E, para além disso, traz dentre
suas maiores virtudes a própria reflexão retrospectiva que Sonoko apresenta de
seus sentimentos – como quando, referindo-se a uma briga que tivera
com o marido, seu esforço de representação a fez chorar de fato; inspirada
evocação meta-discursiva que põe em xeque justamente a interação humana como uma
representação por si própria e sua aproximação, consequentemente, com o cinema
que a retrata. Assim como uma estética tão excessiva que parece dialogar,
conscientemente, com o humor latente que pode gerar, sem com isso neutralizar
sua porção dramática, numa estratégia evocativa de Fassbinder. Por fim, resta
ressaltar que uma das maiores forças do filme resulta justamente na eterna
incerteza que domina, do início ao final, a insegurança de sua protagonista com
relação aos sentimentos e situações vivenciadas com Mitsuko – tratava-se
somente de uma oportunista? Havia excluído ela do pacto de morte
propositalmente para fazê-la sofrer através de sua sobrevivência? Muitas das
lacunas deixadas pela narrativa, portanto, podem ser apreciadas enquanto
representação mimética da insegurança de alguém que nunca teve confiança plena
de se sentir amada. Daiei Studios. 91 minutos.
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