Filme do Dia: Os Respigadores e a Respigadora (2000), Agnès Varda



Os Respigadores e a Respigadora (Les Glaneurs et la Glaneuse, França, 2000). Direção e Rot. Original: Agnès Varda. Fotografia: Didier Doussin, Stéphane Krausz, Didier Rouget, Pascal Sautelet & Agnès Varda. Música: Joanna Bruzdowicz & Isabelle Olivier. Montagem: Laurent Pineau & Agnès Varda.

Nesse documentário Varda tem como motivo inicial o interesse que lhe despertou os apanhadores de frutos e cereais abandonados pelos agricultores (os respigadores que faz menção o título) em quadros. A partir dessa perspectiva pictórica Varda acaba embarcando numa viagem ao campo onde encontra não apenas memórias dos mais velhos, todos respigadores quando jovens. Varda vai adiante e investiga pessoas que fazem isso nos dias de hoje não apenas com relação aos viveiros de ostras como, no domínio da cidade, revirando o lixo para encontrar restos aproveitáveis de comida. Dois pontos despertam a atenção positivamente em seu documentário. Ela não teme a dispersão ou talvez melhor dizendo o deslize para outras coisas interessantes que vai descobrindo de seus entrevistados, seja um relato sobre o momento do primeiro encontro de um casal como evocado por ela e esquecido por ele ou ainda o encontro com o descendente de um dos precursores da fotografia em movimento, o criador do fuzil fotográfico Marey e a fazenda onde ainda hoje existe o local que serviu de ambiente para suas experiências.  Ou ainda um senhor que usa restos de tralhas, sobretudo bonecas velha para construir verdadeiros totens que sua esposa não chega a considerar de todo como arte. É claro que tudo isso pareceria um tanto bobo e desarticulado senão fosse a moldura mais ampla do próprio documentário uma incursão pessoal e afetiva da própria Varda, que em vários momentos faz menção a si própria, ao processo de envelhecimento registrado em sua própria pele e, no momento visualmente mais inspirado do filme, tenta “capturar” os caminhões que atravessam a rodovia com a própria mão enquanto a outra é utilizada para filmar a cena em questão. Poderia bem servir como metáfora do próprio filme, já que através de um recurso visual simples, tendo em conta a ilusão proporcionada pela distância dos dois objetos filmados (mão e veículos), no qual a presença de espírito e o afeto parace se estender a todos os filmados, sejam os miseráveis que vivem completamente à margem da sociedade como o homem de meia-idade que afirma que há tempos não vê sua família, seja o grupo de jovens que entrou em confronto com a justiça e o comércio local ou ainda as crianças respigadoras, trazendo uma tocante dimensão humana um tanto esquecida pelo documentário contemporâneo. A certo momento, Varda não deixa de expor a precariedade de sua própria casa, com goteiras e infiltrações que ela brinca fazendo comparações com estilos artísticos. Cena que parece ser o próprio triunfo da presença de espírito sobre a gradual e inevitável decomposição que representa a vida, nesse sentido bastante condizente com estratégias semelhantes apresentadas pelas sofridas pessoas que filma, mas que nunca se deixam guiar por um discurso vitimizado. Ciné Tamaris. 82 minutos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: El Despojo (1960), Antonio Reynoso

Filme do Dia: Quem é a Bruxa? (1949), Friz Freleng