Filme do Dia: Ninfomaníaca (2013), Lars Von Trier
Ninfomaníaca (Nymphomaniac,
Dinamarca/Alemanha/França/Bélgica/Reino Unido, 2013). Direção e Rot. Original:
Lars Von Trier. Fotografia: Manuel Alberto Claro. Montagem: Morten Hojberg
& Molly Marlene Stansgaard. Dir. de
arte: Simone Grau & Alexander Scherer. Cenografia: Thorsten Sabel. Figurinos: Manon Rasmussen. Com: Charlotte Gainsbourg, Stellan
Skarsgaard, Stacy Martin, Shia LaBeouf, Christian Slater, Uma Thurman, Connie
Nielsen, Maja Arsovic.
Numa manhã de inverno, Seligman
(Skarsgaard) encontra uma mulher desacordada na rua e pensa em chamar uma
ambulância. Ela, Joe (Gainsbourg) repele a ideia e afirma para ele que apenas
precisa de um pouco de chá e pão. Ao lá chegar, após insistentes pedidos dele,
conta sua história, desde quando criança fazia brincadeiras eróticas no
banheiro até seu reencontro com o ex-patrão Jerome (LaBeouf), o único homem por
quem se apaixonou na vida, passando por sua relação amorosa com o pai (Slater)
e por sua ninfomania manifesta em situações as mais diversas, como quando ela
(Martin) disputa com uma amiga quem conseguirá fazer sexo com a maior
quantidade de homens num trem ou acaba provocando o rompimento de um casamento
e a histeria de uma esposa (Thurman).
Como se não bastasse a sua
divisão em capítulos, o filme evoca as narrativas literárias erótico-perversas
do século XIX, em sua demonstração de exibicionismo agudizado pela capacidade
de narrar, que acaba se tornando talvez o elemento igualmente mais atrativo do
filme. Consistindo sobretudo numa narração, o filme nunca pretende que a
imersão nas histórias contadas faça o espectador esquecer de sua base
narrativa, repleta de digressões, idiossincrasias, associações – em sua maior
parte com a pesca – e também duvidas sobre a verossimilitude, devidamente
situadas numa moldura em que menos importa a verdade propriamente que o prazer
delegado ao ouvinte (e, por extensão, espectador). E é justamente esse prazer
algo polimorfo da narrativa, que se espraia para as muitas associações
pretensamente eruditas e nonsense de Seligman, que acabam ganhando
representações visuais também peculiares, onde se investe grandemente em
números e palavras expressos na tela, que o filme conquista sua maior força –
as digressões remontam, de forma evidentemente mais orgânica, a utilização de
uma linguagem de cunho não dramático e mais próximo do científico-documental
observado em filmes como Meu Tio na
América de Resnais ou Ilha das
Flores; assim como na espirituosidade
hilariante do capítulo Sra. H,
no qual Uma Thurman dispara uma sucessão de tiradas dignas – e mais
inteligentes, diga-de passagem – de Tarantino, sendo a associação imediata
quando se sabe que se trata da atriz dos dois volumes (expressão também
utilizada aqui no título) de Kill Bill,
assim como de Pulp Fiction. Bem mais
que no quase obrigatório desejo de transgressão, nunca mais patente que na
utilização da música de Bach, e seu Prelúdio
em Fá Menor, associado no cinema sobretudo como expressão do sublime (em filmes
como Solaris, de Tarkovski) para uma
cena de sexo explícito. A ironia explícita, mais escrachada, que se encontra
presente aqui em diversos momentos não encobre de todo a mais sutil, como a da
figura anêmica e de dândi vitoriano encarnado por Jerome ao final. Paralelos, a
partir do uso da ironia, são possíveis com outros filmes do realizador,
sobretudo Ondas do Destino, que
também incorpora um elevado pathos
sonoro-musical, uma personagem ninfomaníaca (mesmo que numa lógica mais
tradicionalmente melodramática de auto-sacrifício) e uma proximidade com o
mais intensamente profano. Dito isso, o filme parece se ressentir, como quase
toda a sua filmografia, do abismo que existe entre a virtuosidade com que
dispõe dos elementos estilístico-narrativos cinematográficos e sua pretensa
profundidade temática. Nos créditos finais já se antecipa cenas da segunda
parte. Zentropa Ent./Heimat Film/Zentropa Int. Köln/Film i Väst/Slot
Machine/Caviar Films/Concorde Filmverleih/Artificial Eye/Les Films du Losange
para Magnolia Pictures. 122 minutos.
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