Filme do Dia: As Noites de Cabíria (1957), Federico Fellini
As Noites de Cabíria (Le Notti di
Cabiria, Itália/França, 1957). Direção:
Federico Fellini. Rot. Original: Federico Fellini, Ennio Flaiano, Tullio Pinelli & Pier Paolo Pasolini.
Fotografia: Aldo Tonti. Música: Nino Rota. Montagem: Leo Cattozzo. Dir. de arte: Piero Gherardi
& Brunello Rondi. Figurinos: Piero Gherardi. Com: Giulietta Masina, François Périer, Franca Marzi, Dorian Gray,
Aldo Silvani, Amedeo Nazzari, Riccardo
Fellini, Polidor.
Quase
afogada pelo homem que acolheu em sua casa e ama, Cabíria (Masina), uma
prostituta de coração fraco, é salva por algumas crianças que brincavam na
área. Desconta toda sua raiva na amiga Wanda (Marzi), também prostituta, e joga
na fogueira todos os retratos e roupas do amante. Tendo que recomeçar sua vida,
novamente sem dinheiro - já que Giorgio, seu amante, levou tudo - Cabíria ainda
tem que aguentar as provocações de outras prostitutas. Vai a uma romaria pedir
graças à Virgem, juntamente com Wanda, um cafetão e seu tio paralítico. Porém,
na hora do auge do fervor, o tio do cafetão desaba, sem a ajuda das muletas, e
depois, no piquenique que fazem, Cabíria constata que nada mudou no mundo.
Embebeda-se e afirma que irá mudar de vida, tendo que ser contida por Wanda, já
que começa a gritar perguntas a um grupo de piedosos que passam em pequena
procissão. Certa noite, após brigar com uma prostituta que lhe dirige
indiretas, decide ir a Via Veneto,
abandonando o carro dos amigos e rejeitando a proposta de trabalhar para o
cafetão, e aproximando-se de um hotel de luxo, vê Alberto Lazzari (Nazzari),
seu galã de cinema predileto. Lazzari briga com sua namorada Jessie (Gray), que
o abandona. Convida Cabiria para ir com ele a uma boate sofisticada, onde
ocorre a apresentação de duas dançarinas negras e um grupo de mambo. Cabíria se
diverte dançando com Lazzari e, principalmente, sozinha. Lazzari a convida para
jantar em sua mansão. Impressionada com o luxo, o deleite de Cabíria é
interrompido pela volta de Jessie. Dorme no banheiro. De manhã cedo Lazzari faz
com que se retire sem que Jessie, adormecida, perceba. Vagando pela região
deserta, Cabíria encontra um misterioso homem que entrega donativos a população
pobre que mora em grutas. Pega caraona com o homem e volta à Roma. Vai certa
noite para um show de variedades, onde um hipnotizador (Silvani) a deixa em
transe, e representa uma cena de amor com um fictício Oscar. Ao sair do teatro,
temerosa de ainda encontrar parte da platéia que lhe achincalhara no final do
número, Cabíria é abordada por um homem que si diz contador e tocado com sua
demonstração de ternura e pureza no palco, e que por coincidência se diz chamar
Oscar (Périer). Ele marca um encontro com ela na estação e, encontra-a já a
ponto de desistir de tudo. Passam a se encontrar regularmente, enquanto
Cabíria continua com sua vida de prostituta, falando para as amigas sobre a
fineza e falta de interesse de Oscar. Encontra um monge (Polidor), que pergunta
se ele vive nas graças de Deus. Quando o procura, no entanto, não o encontra. Vende
tudo e decide mudar-se para casar com Oscar, que para ela é um verdadeiro
santo, já que aceitou toda sua vida passada sem maiores cobranças. Porém após
jantarem e fazerem uma longa caminhada até um precípicio, Cabíria descobre que,
na verdade, Oscar apenas pretende ficar com seu dinheiro. Desesperada entrega-o
a bolsa e tem uma crise nervosa. Ao se levantar e caminhar para a estrada
encontra um grupo de jovens que tocam música e namoram e acaba não contendo o
sorriso.
Filme de Fellini que, mais que qualquer outro anterior,
já apresenta muita das características que serão reforçadas em seus trabalhos
posteriores: mulheres gordas e bizarras; a ambiguidade no tratamento da fé
religiosa (como em A Doce Vida); o
vazio existencial da mundanidade artística (novamente como em A Doce Vida, representado aqui na figura
do astro de cinema e sua namorada, vivido pelo veterano galã Nazzari
transformado em Lazzari); a verborragia e agitação de vários personagens
falando e gesticulando ao mesmo tempo; o lado alegre da prostituição associado
a momentos de diversão e dança com grupo de homossexuais (em cena, alías, muito
semelhante a de Mamma Roma, de Pasolini, aqui um dos co-roteiristas). O chapliniano personagem de Cabíria
consegue ser perfeitamente encarnado na pele de Masina, a quem o filme deve
muito de sua graça. O cuidado extremado com a composição dos quadros, como a
bela paisagem que acaba se transformando o proletário bairro onde mora Cabíria
deve muito a virtuosa fotografia de Tonti. Detalhe para a força dos personagens
secundários, como Wanda - a própria encarnação da mulher felliniana, gorda e de
seios fartos - e do hipnotizador, bizarros até fisicamente. A cena final, em
que a alegria de viver dos jovens se confunde com a tristeza de Cabíria, e
posterior recuperação do sentido da vida, contaminada pela alegria que a
circunda, é uma das meis belas do filme. Com uma pureza e ingenuidade que resistem
bravamente ao assalto do meio degradante que vive, talvez não seja difícil
associar Cabíria com a Macabéa de A Hora da Estrela (1985), de Suzana Amaral. Menos interessado no realismo que
poderia extrair de sua personagem, como faria Pasolini com Mamma Romma, Fellini,
pretende antes inseri-la em seu mundo de fantasia, tanto em forma quanto em
conteúdo próximos do universo dos quadrinhos, embora tanto no caso de Pasolini
como de Fellini os personagens das prostitutas sejam grandemente idealizados.
Situado entre dois marcos na carreira do cineasta, o mais nostálgico e menos
indulgente Os Boas Vidas (1954) e o
mais complexo, maduro e moderno A Doce
Vida (1960). Versão restaurada com sete minutos a mais, apresentando uma
seqüência ausente na versão em vídeo, que é a do homem que auxilia os pobres da
periferia romana. Les Films Marceau\ Dino de Laurentiis Cinematografica. 117
minutos.
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