Filme do Dia: E Deus Criou a Mulher (1956), Roger Vadim



E Deus Criou a Mulher (Et Dieu... créa la femme, França,1956). Direção:  Roger Vadim. Rot. Original:  Roger Vadim&Raoul Lévy. Fotografia: Armand Thirard. Música: Paul Misraki. Montagem: Victoria Mercanton. Dir. de arte: Jean André. Com: Brigitte Bardot,  Curd Jürgens, Jean-Louis Trintignant, Christian Marquand,  Marie Glory,  Georges Poujouly,   Jane Marken,   Jean Tissier,   Isabelle Corey.
       O milionário Eric Carradine (Jürgens), embora poderoso, inveja dois trunfos da família Tardieu: o pequeno terreno que possuem e não pensam em vender, para que Carradine construa seu estaleiro, e a jovem, leviana e bonita Juliete Hardy (Bardot), que se encontra atraída pelo filho mais velho de Madame Tardieu (Glory), Antoine (Marquand). Voltando de uma temporada afastado de St. Tropez, Antoine encontra a família sendo pressionada a vender o terreno e, interessado em viver uma aventura com Juliete, pouco liga para os conselhos da mãe sobre a má reputação da jovem, já que não pretende ter nenhum envolvimento mais sério. Sedutora e de gênio forte, Juliete se vê em apuros, após ser expulsa da pensão em que mora, por ter chegado tarde de uma festa e ameaçada de voltar para o orfanato de onde veio. Porém o tímido Michel (Trintignant), irmão mais jovem de Antoine, propõe casamento. Inicialmente sem acreditar no que ouve, Juliete se casa. Logo na volta para casa após o casamento, no entanto, Michel agride um pescador que cantava uma canção sobre traição e leva uma surra. Sem participarem do banquete de noivado, o casal comemora no quarto. Juliete, que sempre deixara em aberto a possibilidade de se envolver com Carradine, lhe dá a idéia de oferecer uma parte dos negócios para à família, a fim de conseguir o terreno. Antoine aceita, desde que ele seja o gerente do estaleiro. Quando sabe da notícia, Juliete detesta, já que embora começasse a sentir-se apaixonada pelo marido, ainda sente-se insegura sobre sua atração pelo irmão mais velho, colega de infância e com quem vivera uma relação antes do casamento. Procurando de toda forma fugir das festas e se dedicar somente ao marido, Juliete, no entanto, acaba por traí-lo quando esse parte em negócios, com o irmão Antoine, após este tê-lo salva de um barco em chamas. Com febre e de cama, Juliete é consolada pelo irmão mais novo Christian, sendo interrompidos por Antoine, que pergunta se ela não está satisfeita em trair com apenas um dos irmãos. Desequilibrada, Juliete abandona a casa, enquanto Michel recebe a notícia da traição da mãe. Procurando por Juliete no escritório do irmão, luta com este e consegue fugir com uma arma. Vai ao encontro de Juliete, que se encontra em um café, exibindo-se e dançando com um grupo de músicos negros sob a vista de Carradine. Fere de leve Carradine em sua fúria para controlar a esposa e leva-a de volta para casa, enquanto Carradine ordena que Antoine abandone o local.
     Embora não mais que um veículo para Bardot, e que a lança como símbolo sexual, mais agressivo e diretamente sexual que sua contraparte americana, Marilyn Monroe, o primeiro filme do cineasta Vadim torna-se interessante, em retrospecto, pelo que acaba deixando entrever da sociedade francesa na época, no que diz respeito a relação entre gêneros. Assim, ao mesmo tempo que exibe orgulhoso e voyeuristicamente uma nova mulher, emancipada e sem medo de enfrentar muitos dos tabus sociais, o filme acaba por punir essa mesma mulher e seu comportamento, numa representação que transcenderia o filme e seria um lugar-comum nos filmes de Bardot do final dos anos 50 e início da década seguinte. À agressividade feminina representada pela liberada Juliete resta aos homens: o papel de utilizá-la como objeto (Antoine), como forma de não admitir que sua atração vai além do mero sexo; simplesmente ignorá-la (Carradine), com medo de, mesmo com toda a experiência prévia,  não poder enfrentar sua fúria ou tentar domesticá-la e transformá-la em uma companheira ou quase irmã (Michel). O temor maior de que a sexualidade feminina, em sua forma mais bestial, acabe por submergir qualquer desejo masculino, ocorre na coreografia de Bardot com os músicos negros, com toda a conotação sexual implicíta da situação - homens brancos já não conseguem dar conta dá sexualidade de mulher branca, que prefere algo mais afinado com sua “bestialidade”, no ritmo voluptuoso e abertamente sensual dos negros. No mais, um filme perpassado pela noção de destino quase genética - embora a explicação de Juliete ser problemática advenha de fatores sociais, como orfã - e herdeira de Zola. Os monológos “existencialistas” de Bardot à procura da felicidade são rídiculos como o pano de fundo social em que se desenrola a primeira metade do drama, provavelmente superficialmente inspirado nos filmes neo-realistas italianos de poucos anos antes. U.C.I.L./ Cocinor/ Iena. 95 minutos.

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