Personagem

Teu nome é quase indiferente
 e nem teu rosto mais me inquieta.
 A arte de amar é exactamente
 a de se ser poeta

. Para pensar em ti, me basta
 o próprio amor que por ti sinto: és a ideia, serena e casta,
 nutrida do enigma do instinto.

 O lugar da tua presença
 é um deserto, entre variedades:
 mas nesse deserto é que pensa
 o olhar de todas as saudades.

 Meus sonhos viajam rumos tristes e,
no seu profundo universo, tu, sem forma e sem nome, existes,
silêncio, obscuro, disperso.

 Teu corpo, e teu rosto, e teu nome, teu coração,
 tua existência, tudo - o espaço evita e consome:
 e eu só conheço a tua ausência.
 Eu só conheço o que não vejo.
E, nesse abismo do meu sonho,
 alheia a todo outro desejo,
 me decomponho e recomponho.
 (Cecília Meireles)

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