Filme do Dia: O Sétimo Continente (1989), Michael Haneke
O Sétimo Continente (Der Siebent Kontinent, Áustria, 1989). Direção: Michael Haneke. Rot. Original: Michael Haneke & Johanna Teicht. Fotografia: Anton Peschke. Montagem: Marie Holmolkova. Dir. de arte: Rudolf Czettel. Figurinos: Anna Georgiades. Com: Birgit Doll, Dieter Berner, Leni Tanzer, Udo Samel, Silvia Fenz, Elisabeth Rath, Georg Friedrich, Meat Loaf.
O casal Georg e Anna Schoeber (Berner e Doll)
leva uma vida cotidiana banal e repetitiva, juntamente com a pequena filha Evi
(Tanzer), embora acabem levando a frente um plano radical. Georg pede para sair
do emprego, Anna avisa na escola que Evi não irá em determinado dia. Eles pedem
todo o dinheiro que se encontrava no banco, vendem o carro e se trancam em casa,
destroem quase todos os bens materiais lá existentes, jogam o dinheiro na
latrina e se suicidam.
Muito do que será observado posteriormente,
quando de seu reconhecimento internacional, já se encontra presente nessa
produção. É o caso da intercalação das cenas por um elemento bem presente na
imagem – no caso o quadro em negro.
Igualmente o modo distanciado, mas não desapaixonado, com que observa seus
personagens. E, tanto ou mais que na dimensão estilística, Heneke parece, a
partir de um caso real, se deter no que mais gosta, efetuar uma crítica das
insuficiências, inconsistências, contradições da vida social, seja
contemporaneamente ou, mais raramente, no passado (caso de A Fita Branca). Ao estruturar o filme em três partes, nas quais as
ações cotidianas basicamente se repetem – com exceção parcial do terceiro, onde
também se descreve detidamente os preparos para o suicídio final – o cineasta
ressalta o caráter mecânico das ações modernas cotidianas. Servir um prato na
mesa acaba tendo quase a mesma dimensão de se acalentar a filha, vivida de
forma muito intensa por Tanzer. A abordagem temática tende a ser semelhante ao
que Fassbinder apresentou em alguns de seus filmes (sobretudo Por Que Deu a Louca no Sr. R?) e mesmo
em termos dramáticos, senão exatamente de estilo, pode encontrar pontos em
comum. Uma das cenas emblemáticas dessa
“rotina mecanizada” é a da família dentro do carro sendo lavado e talvez
o que o filme toque com mais sucesso seja no sofrimento interior em condições
de vida na qual a exterioridade dos sentimentos se torna algo atrofiado ou
quase uma convenção a mais, algo também explorado pelo realizador em outro caso
limítrofe, A Professora de Piano. O
fato de existir um caso de depressão em família, sendo que o irmão está saindo
de uma temporada depressiva, e a própria Anna, chorando dentro do carro sendo
lavado talvez sejam desnecessárias. Para o público brasileiro existe um detalhe
que soa quase como humor involuntário: a família toda assistindo um videoclipe
de The Power of Love, de Jennifer
Rush, de título um tanto irônico para a situação em questão e celebrizada aqui
na voz de Rosana. Destaque para o tempo dispendido, inclusive em termos narrativos, pelos personagens destruindo todos os objetos que utilizavam
cotidianamente, numa tentativa de apagamento de qualquer dimensão simbólica e
humana, ainda que curiosamente a televisão seja poupada. E também para o
banquete e satisfação que vivenciam pouco antes de morrer, como se pela
primeira vez na vida estivessem livres da tensão imperiosa exigida pelo
cotidiano. O título faz menção a Austrália, destino da pretensa viagem que Anna
alega que fará e entrevisto num cartaz publicitário ao início do filme. Wega
Film para Hoanzl. 104 minutos.
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