Filme do Dia: "Aleluia!" (1929), King Vidor
Aleluia! (Hallelujah, EUA, 1929). Direção: King Vidor. Rot. Original: Wanda
Tuchok, Ransom Rideout, Richard Schayer & Marian Ainsle (entretítulos), a
partir do argumento de Vidor. Fotografia: Gordon Avil. Montagem: Hugh Winn.
Dir. de arte: Cedric Gibbons. Figurinos:
Henrietta Fraser. Com: Daniel L. Haynes, Nina Mae McKinney, William Fountaine,
Harry Gray, Fanny Belle DeKnight, Everett McGarrity, Victoria Spivey, Milton
Dickerson.
Zeke Johnson
(Haynes) acaba perdendo todo o dinheiro que a família arduamente conquistara na
colheita de algodão após se envolver com uma mulher, Nina (McKinney) e seu
parceiro Hot Shot (Fountaine). Pior de tudo, sentindo-se lesado Zeke atira a
esmo no bar e mata acidentalmente o irmão mais novo Spunk (McGarrity),
que viera atrás dele. Completamente desconsolado, ele ouve, com ajuda
de seu velho pai (Gray) um clamor do céu e se transforma em pastor. No meio de
sua peregrinação reencontra Nina, que se converte e acaba se
transformando em sua esposa. Tendo abandonado o sacerdócio, Zeke ganha a vida
como operário. Algum tempo depois, no entanto, Nina voltará a traí-lo com Hot
Shot. Nina planeja fugir com o amante, porém Zeke flagra e parte em busca da
esposa que cai e morre. Zeke, então, decide partir de volta à família
e aos braços de sua eterna noiva Missy Rose (Spivey).
Evidentemente o
filme se encontra longe da obra-prima de Vidor, A Turba, realizado imediatamente antes desse, porém tampouco se
encontra aqui no terreno dos rotineiros melodramas comuns na sua filmografia (Wild Oranges, A Boêmia, Pássaro doParaíso). Excessivamente impregnado pela moralidade cristã, o filme
trabalha com o tema da conflituosa relação entre espirtualidade e carnalidade.
É a figura da tentação feminina que reintroduzirá o protagonista em suas
adversidades após o sofrimento inicial com a morte do irmão. E sua redenção se
dará não somente após a morte dessa como
após o abandono da cidade para o retorno ao campo, de onde provavelmente nunca
deveria ter saído – foi justamente na cidade que o protagonista, sem habilidade
para lidar com os códigos da malandragem urbana maculou a sua “pureza”. Sem
dúvida alguma, o filme é grandemente esquemático. Porém, apesar disso, não há
como não conferir tampouco suas virtudes, no sincero amor que Zeke reserva a
Nina, pretendendo levá-la de volta para casa mesmo depois da tentativa de fuga.
Ou, no sentido mais amplo, na sua corajosa, ainda que paternalista, representação do sofrimento dos negros do sul
americano com elenco completamente negro, quando ainda se fazia uso de atores
brancos para encarnar personagens negros (tais como no célebre O Cantor de Jazz, de dois anos antes). E
tampouco deixar de se deliciar com os números musicais, destacando sua pouca
afinidade com o que viria a ser institucionalizado como o gênero musical pelo
cinema americano clássico – e aqui um paralelo pode ser traçado com Carmen Jones, adaptação de Bizet com
elenco igualmente negro por Preminger três décadas após. Aqui, ao contrário de
Preminger, no entanto, que lida com uma dimensão mais ortodoxa da adaptação de
uma ópera, as canções vem expressar justamente o pesar e o sofrimento, mas
também a alegria, de viver em meio a um ambiente realista que pouco ou nada diz
respeito ao musical. Primeiro filme sonoro de Vidor, sendo também lançada à
época uma versão silenciosa. Destaque para as belas canções Waiting at the End of the Road e Swane Shuffle, ambas de Irving Berlin,
que ilustram o momento em que Zeke vai vender o algodão e a sua corte a Nina
respectivamente, assim como a tradicional Swing
Low, Sweet Chariot para a despedida a Spunk. Assim como para o prólogo
elegíaco em que a esfuziante alegria e comunhão com que a família de Zeke e
seus próximos são retratados antecipa um tratamento semelhante por Camus
em Orfeu
do Carnaval (1959), mesmo que no último tal dimensão de união esteja longe
de tão idealizada. Trabalhando com motivações igualmente bíblicas, em seu O Mensageiro do Diabo (1955), Laughton
as impregnaria de uma dimensão metafórica e pseudo-onírica que aliviaram o peso
de literalidade da fábula moral aqui presente. National Film Registry em 2008. MGM. 109 minutos.
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