Filme do Dia: M*A*S*H* (1970), Robert Altman
M*A*S*H* (EUA, 1970). Direção: Robert
Altman. Rot. Original: Ring Lardner Jr., baseado no romance de Richard Hooker.
Fotografia: Harold E. Stine. Música: Johnny Mandel. Montagem: Danford B.
Greene. Dir. de arte: Arthur Lonergan, Jack Martin Smith & Michael
Friedman. Cenografia:
Stuart A. Heiss & Walter M. Scott. Com: Donald Sutherland, Elliott Gould,
Tom Skerrit, Sally Kellerman, Robert Duvall, Roger Bowen, René Auberjonois.
Em uma unidade cirúrgica de apoio a
Guerra da Coréia os cirurgiões Benjamin Franklin “Hawkeye” (Sutherland) e John
Francis “Trappier” (Gould) provocam a inimizada de vários companheiros de farda
por suas atitudes debochadas com relação a certos preceitos de hierarquia e
decoro militares. A primeira de suas vítimas é a Major Margaret (Kellerman) que
ganha o apelido de “Lábios Quentes” após ter tido o áudio de seu intercurso
sexual com o não menos pudico e religioso Major Frank Marion (Duvall),
transmitido pelo sistema de áudio de toda a unidade militar. Juntos, Hawkeye e
Trapper se envolvem nas mais diferentes ações que vão de tripudiar em cima de
seu superior em Tóquio, para onde viajam para operar o filho de um congressista
ou simulam o ritual de” suicídio acompanhado” de um dentista que acredita ter
perdido sua virilidade e se transformado em gay.
Altman pela primeira vez demonstra com
toda força seu iconoclasta estilo de filme (e de filmagem). Deparando-se um dos
gêneros mais estabelecidos do cinema, o do filme de guerra, há uma verdadeira
desconstrução de qualquer expectativa dramática convencional, já que o filme
apresenta menos uma continuidade narrativa a partir de causas e efeitos, do que
situações isoladas vividas por um grande grupo de personagens. Mesmo que o
filme seja vagamente ambientado no ínicio dos anos 1950 na Coréia, não há qualquer
tentativa de disfarçar que se trata de uma referência a Guerra do Vietnã então
em curso. O fato de possuir um forte sentimento anti-bélico curiosamente se dá
menos por qualquer discurso afetado ou situações dramáticas como em produções
típicas do gênero, um subgênero por si só dos filmes de guerra, que pelo humor
corrosivo a partir principalmente do que pode tornar todos de certa forma
vulneráveis, o impulso sexual. O que, de certa forma, fortalece os seus
protagonistas, abertamente amorais e práticos nesse quesito. E, igualmente, por abdicar de exibir uma
única cena de batalha, impedindo qualquer possibilidade de pretensão
voyeurística a partir do efeito de espetáculo gerado por cenas de guerra como
explosões monumentais ou cenas dramáticas que envolvam a manipulação emocional
a partir de situações limítrofes como a da morte. Tampouco faz uso do estilo de
gag habitual em filmes cômicos sobre a guerra, também já um subgênero
estabelecido desde pelo menos os grandes comediantes dos anos 1920. Tendo se
tornado o primeiro filme a chamar a atenção para o talento do já então veterano
(sobretudo na TV) Altman, o filme levaria a Palma de Ouro em Cannes, e
estabeleceria o influente estilo do realizador de trabalhar com enredos
múltiplos envolvendo um grupo amplo de pessoas em ambiente restrito que se
tornaria recorrente ao longo de sua carreira em alguns de seus melhores filmes
como Nashville ou Short Cuts, assim como menos bem
sucedidos a exemplo de Cerimônia de Casamento, todos radicalizando ainda mais a inexistência de personagens
principais ou secundários. Destaque para alguns detalhes que tornam ainda mais
estapafúrdio a realidade vivida como as
canções japonesas ou os anúncios (frequentemente de filmes, sendo o último o da
própria produção de Altman) do sistema de som da unidade militar ou ainda a
aberta recusa ao realismo de umas poucas cenas tais como a que parodia com a
Santa Ceia no momento em que o dentista decide morrer. A cenção dos créditos
iniciais, que volta a ser ouvida no surreal episódio do dentista e faz menção
direta a própria cena, Suicide is
Painless, teve a letra composta por um filho de Altman de apenas 14 anos.
Desnecessário dizer que muito além da própria referência subliminar ao Vietnã
praticamente tudo que é ambientado duas décadas antes da produção é um efetivo
comentário contemporâneo espirituoso sobre temas então candentes como a
revolução sexual, as drogas, sem nunca torná-los efetivamente “temas” na boca
de seus personagens. Algo que ganha consistência ainda maior quando o senso de
aleatoriedade espaço-temporal é ainda mais reforçado pela inexistência de um
tratamento visual que queira acentuar uma direção de arte para reconstituir
determinado período histórico do passado, mesmo que recente, como habitualmente
trabalhado no cinema. Aspo Prod./Ingo Premer Prod./20th Century-Fox Film Corp. para 20th
Century Fox. 116 minutos.

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