Filme do Dia: O Torneio Amílcar Cabral (1979), Jom Tob Azulay, Fernando Cabral & Flora Gomes

 


O Torneio Amílcar Cabral (Brasil, 1979). Direção Jom Tob Azulay, Fernando Cabral   & Flora Gomes. Rot. Original e Fotografia  Jom Tob Azulay. Montagem Eunice Gutman.

Já desde as primeiras imagens o sentimento é de certo constrangimento ao observarmos realizadores e o próprio meio cinema, importante meio para as lutas simbólicas no contexto da independência recém-adquirida, ter se tornado em tão pouco tempo – menos de meia-década – majoritariamente mero apêndice para um discurso oficial dos governos de ocasião; nada, aliás, muito diverso da experiência vivenciada por outras ex-colônias portuguesas, e realidade também comum a outras nações africanas (a exemplo da Argélia, para ficarmos em um). É uma cerimônia de abertura de um torneio levando o nome do mártir-revolucionário-pensador da nação, Amílcar Cabral (seu busto está ao início e final de Nha Fala, que Gomes realizaria décadas depois). E em pouco mais de um minuto já observamos hasteamento das bandeiras, um garoto com uma camisa do PAIGC, o ex-movimento pela libertação de Guiné e Cabo Verde transformado em partido único, e uma liderança do governo, João Bernardino Vieira, falando de seu escritório sobre a importância do torneio, tendo uma foto de Cabral ao fundo. O modo como o enquadramento e a postura de quem fala, os créditos sobre a imagem a anunciarem os méritos de Vieira, dentre eles o de “herói da guerra da libertação”, tudo parece seguir o mesmo roteiro observado em outros países “lusófonos”, de uma oficialização e tomada irrestrita de poder, pelos que foram um dia revolucionários. Quando consegue se afastar desta postura oficialesca, trazendo imagens da população, torna-se de longe mais interessantes. São crianças brincando, vestidas, seminuas ou completamente nuas, de futebol. Adultos, a maioria mulheres (algumas de torso nu) e crianças a trazerem cargas sobre as cabeças e enfrentando uma grande camada de lama. E as comemorações a antecederam o evento propriamente dito, de uma dança tribal a uma mais comportada bandinha de música. Segue-se o desfile das agremiações, representando cada país, e imagens dos jogos. E algum tempo depois apela-se ao cancioneiro nacional (brasileiro) com Jorge Ben (Fio Maravilha e Umbabarauma), Moraes Moreira (Espírito Esportivo). E ainda há o topete de se trazer uma narração de um jogo do Flamengo, de um gol de Zico, demonstrando logo de vez o quanto tais associações estão vinculadas ao nosso dia-a-dia de outra cultura nacional. Entrevista-se então torcedores, a afirmarem que confiam o certame ser ganho pela Guiné Bissau. Parecem conviver no mesmo curta, propostas documentais distintas, indo de uma longa sequência com cenas  de jogos abruptamente interrompidas pela entrevista de um cartola do futebol local, a reclamar da sangria de bons jogadores para a Europa, seguidas de imagens das comemorações dos campeões do torneio. Ao final se volta novamente ao líder político do início, aparentemente um tanto constrangido, a tentar alinhavar alguns lugares-comuns sobre a importância de Cabral e pouco a falar sobre o torneio futebolístico. E na cerimônia em homenagem a Cabral, seis anos após seu assassinato, em 20 de janeiro de 1973. Seguido por crianças sendo alfabetizadas.| A e B Prod. Cinematográficas. 27 minutos e 40 segundos.

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