Filme do Dia: Rebeldes do Deus Neon

 



Rebeldes do Deus Neon (Quing Shao Nian Zha, Taiwan, 1992). Direção e Rot. Original: Tsai Ming-Liang. Fotografia: Liao Pen-jung. Música: Huang Shu-Jun. Montagem: Wang Chi Yang. Dir. de arte: Hu Chih-Yueh & Lee Pao-lin. Figurinos: Chen Ying-hui. Com: Chen Chao-jung, Jen Chang-bin, Lee Kang-cheng, Lu Yi-ching, Miao Tien, Wang Yu-Wen.

Hsiao-Kang (Kang-cheng) é um jovem que preocupa os pais (Yi-Ching e Tien) com seu aparente desinteresse pelas coisas práticas da vida. Tze Ah (Chao-jung) se aproxima da vizinha de apartamento Bing Ah (Chang-bin). Ele e o amigo Kuei Ah (Yu-Wen) praticam pequenas ações criminais. Hsiao-Kang se afasta da escola e segue a dupla em seus pequenos delitos. Vandaliza a motocicleta de Tze Ah, para seu desespero, e depois oferece ajuda ao mesmo, sendo repudiado.

Desde suas primeiras imagens se ressalta como a prevalência de algo irreversível ou, pelo menos, sem grandes resistências da sordidez, contra a qual se luta, sem que os esforços consigam aplacar, antes pelo contrário. Contra a barata que surge em seu apartamento e cuja morte parece ter resolvido, Hsiao-Kang corta-se com o vidro da janela. Já Tze Ah tenta algo contra a invasão da água reincidente que toma conta de seu apartamento a partir do ralo, porém ao final continua com o apartamento repleto de água e sem a mínima noção do que poderá fazer para fugir da situação de crise e  incompletude em que vive, assim como sua namorada. Existe uma referência evidente a Juventude Transviada não apenas no título ou no pôster de James Dean observado em um dos locais de jogos frequentado pelos jovens, mas na própria conformação do trio, com Kuei Ah sendo o Plato da vez, incapaz de estabelecer uma relação afetuosa e sendo tratado de forma semelhantemente paternalista pelo casal. A frieza da cidade e a indiferença e embotamento afetivo que exala dela, assim como sua própria feiura e impessoalidade traem igualmente a perspectiva dos jovens e o cansaço dos mais velhos – numa dimensão de saturação evocativa, por vezes, de Matou a Família e Foi ao Cinema.  Aqui como lá parece se observar uma desintegração da família na moderna sociedade de consumo. O cinema surge a determinado momento, como uma referência nostálgica de uma época em que a família ainda possuía uma razão de ser menos esgarçada pela opressiva ausência de horizonte ou de lúdico, na fala do pai que pretende levar Hsiao-Kang ao cinema, tal como quando ele era pequeno, ação que demonstra ser impossibilitada justamente pela intervenção de Tze Ah com Bing Ah em sua garupa. Se o resgate simbólico de algo como um sentido de família parece desmoronar em contato com a anomia do mundo exterior e da urbe decaída, esse já se encontra prontamente interiorizado nos  próprios personagens muito antes disso. Não é preciso grande esforço para que Hsiao-Kang incorpore a alusão à figura negativa do Deus Neon (?) referido pela mãe, primeiro em um forjado transe que assusta inicialmente os pais, depois vibrando por si próprio, quando observa Tze Ah diante do vandalismo que havia efetuado em sua moto. Há algo de kieslowskiano na forma que as histórias se tocam, ainda que aqui não exista nem o peso nem tampouco a polarização moral de Não Matarás, embora a força presente no ato de olhar o outro, quase ao ponto de ressignificar a própria vida, não deixe de ser evocativo de Não Amarás. Kang-cheng representa parva Liang uma espécie de Jean-Pierre Leaud para Truffaut. Central Motion Pictures. 106 minutos.

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