Marinho Love Story: tributo ao craque e conquistador imortal
Seis anos atrás, na virada de maio para junho de 2008, Marinho Chagas (1952-2014) me deu a honra de compartilhar um almoço na Ilha do Governador.
A revista “Serafina'' mantinha uma seção intitulada “Que fim levou'', a editora pediu uma sugestão de personagem, e eu sugeri o craque que sonhava conhecer pessoalmente.
Nunca vi em ação um lateral-esquerdo tão brilhante quanto Marinho _quando passei a frequentar estádios, Nilton Santos já pendurara as chuteiras.
Mais uma vez, Marinho tentava reorganizar sua vida, em 2008. Conversamos pouco sobre os perrengues da existência e mais sobre romances e paixões do jogador que fizera tantos corações dispararem.
Reproduzo abaixo a reportagem, meu singelo tributo a um cara tão legal.
*
Marinho Love Story
Francisco das Chagas Marinho beberica o refrigerante de baixa caloria
no segundo andar de um restaurante por quilo na Ilha do Governador
quando ouve o comentário: “Você era galã nos anos 70…''. Interrompe:
“Ainda sou!''. Sorriso arrebatador, emenda: “Acha que eu estou feio? O
que me estraga é o bolso. Se a gente está com carro importado e
dinheiro, tudo é bonito''.
A beleza é
controversa, a carteira esvaziou e os carrões se esfumaram, mas o cabelo
permanece parecido demais com o do antigo craque da seleção. O
lateral-esquerdo loiro contrastava com o time miscigenado da Copa de 74,
seduzia as torcidas, afligia os arautos da retranca com seus arroubos
ofensivos e arrancava suspiros femininos.
Ele
não esquece que um general invadiu um treino de arma na mão para
fuzilá-lo, inconformado com o namorico da filha com o jovem boleiro. A
garota trocava as aulas por encontros furtivos -''só romance, sem
transa''. A turma do deixa-disso livrou-o do pai furibundo.
Mas
ninguém conteve o conquistador virtuoso. São quatro filhos com
Marijara, com quem esteve casado por três décadas. Sabe também de
rebentos espalhados por Japão, Itália e Estados Unidos.
É um guerreiro do amor. Ao descer a escada estreita do estabelecimento na zona norte
do Rio, cruza com uma amiga de umbigo de fora: “Você é linda''. Corteja
outra: “Você me adora''. Sobe de volta com 635 gramas de comida no
prato, colorido por uma galinha ao molho pardo.
A
comilança desperdiça a precaução na bebida e esclarece a barriga pouco
atlética. Contudo Marinho Chagas, como é conhecido, com os nomes fora de
ordem, está longe de se descuidar. Loiro ele sempre foi, mas ficou
ainda mais quando lhe deram a dica de encharcar com chá de camomila a cabeleira comprida antes de ir à praia. No Rio Grande do Norte, onde nasceu, ele fervia panelões da erva.
Hoje,
ensopa-se com xampu de camomila para lagartear ao sol. Jura que
dispensa tintura e que a genética o preservou dos fios brancos.
Aconselha o entrevistador, grisalho, a copiá-lo: “O cabelo fica lindo.
Tua mulher vai te beijar dez vezes mais! Faz essa experiência aí…''.
Marinho diz que funciona.
E confidencia -ou melhor, alardeia- que namorou por dois anos uma atriz
do folhetim televisivo “Duas Caras''. “Acabou a novela da Portelinha,
está acabando o romance.'' Esconde a idade da senhora: “Panela velha
bate um caldinho gostoso; panela nova dá bom caldo também''. Aposta:
“Vale outro capítulo''.
Aos 56 anos, prevê
que seu capítulo derradeiro esteja distante. Os pais viveram quase um
século. Ele sonha em chegar perto. “Quero morrer com 90 anos fazendo
sexo. Nem que seja dentro do caixão. Não tem coisa melhor, não é não,
bicho?, do que uma lovestoryzinha.''
O
filósofo da love story, expressão que pronuncia amiúde, é tão romântico
que a mulher de sua vida, ao que parece, é a ex, de quem se separou em
2002: “Depois peguei outra mulher, depois outra, estou vivendo com outra
agora. Mas não é família. Eu tinha um palácio de concreto. Quando você
perde a família, perde o palácio''.
Certa
feita uma moça disse que só sairia com Marinho se ele aprendesse a
dedilhar “Detalhes'' no violão. Aprendeu e encantou a doce Marijara. À
mesa, ele cantarola, afinado: “Não adianta nem tentar me esquecer…''.
“Toca Roberto Carlos, eu lembro dela'', murmura. “Apesar da minha companheira atual, Patrícia, ter o ciúme maior do mundo, não adianta mentir.''
Patrícia
o protege. “Se eu morar sozinho, todo dia com uma mulher diferente,
essa mulher diferente vai se aproveitar de mim. Vai levar as amigas, os
irmãos para comer. Tem que haver uma companhia. Um homem não vive sem a
mulher, e a mulher não vive sem o homem.''
No
seu caso, não vive mesmo. Embora more em Natal, volta e meia está no
Rio. Um empresário esportivo o hospeda em um iate clube na Ilha. “É uma
quitinete, com cama de casal, dá uma love story.''
Dava mais nos velhos tempos.
Ele relaciona ao seu sucesso alguns conflitos nos gramados. “Leão tinha
ciúme de mim'', alfineta. “Quem era mais bonito? O eleito fui eu.''
Na decisão do terceiro lugar
de 74, o goleiro Leão, hoje treinador, o culpou pela perda da bola no
lance do gol da derrota. Os alfarrábios dão conta de que Marinho levou
uma bofetada do desafeto, mas ele assegura que os companheiros os
afastaram após uma troca de empurrões.
Marinho
recorda que o goleiro saiu mal no gol da Polônia. “Gritei para Leão:
'Você está que nem carro de sorvete na beira da praia. Quando sai, só
sai errado'''. Sem bancar o valentão, reconhece: “Se fosse no tapa, eu
ia apanhar''.
Ele é melhor com
a língua do que com os punhos: “Na lateral esquerda, Serginho, que
jogava no Milan, sempre deu de mil a zero em Roberto Carlos''.
Não superestima os requisitos para
o ofício de técnico. “Não precisa ser inteligente. Se eu tivesse ficado
no Rio ou em São Paulo, podia ser hoje um Renato Gaúcho.''
Este
foi seu erro, aponta: voltar para sua terra. “O nordestino é muito
carente de família.'' Ele brilhou no Botafogo e no Fluminense, ganhou o
apelido de Bruxa, mudou-se para o Cosmos de Nova York, sagrou-se campeão
no São Paulo e regressou para o Nordeste.
Parou
em meados dos 80. Montou serviço de buggy e restaurante em Natal. “Fiz
um monte de besteiras.'' A grana minguou, mas ele não sobrevive na
pindaíba. “Não sou rico nem pobre. Tenho um patrimoniozinho muito bom.''
Montou
escolinha de futebol nos EUA (“com mais alunos que a de Beckenbauer''),
foi técnico na Líbia (“Gadafi é meu padrinho'') e gravou disco (“Odair
José é meu irmão''). Hoje se dedica a criar uma fundação, planeja a
compra de um clube pequeno no Rio, é intermediário de uma imobiliária e treina um lateral de 15 anos do Vasco.
Marinho
Chagas já é avô, de um casal. Os joelhos castigados o impedem de jogar
mais futebol. Mas em outro campo ele apregoa a boa forma: “Viagra? Só
depois dos 60, 70 anos. Isso é mais psicológico''. Sua confiança é
tamanha que, ao partir de óculos escuros, o vovô deixa a minhoca na
cabeça do interlocutor: será que não vale mesmo arriscar o tal xampu de
camomila?
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