Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#89: Eliseu Subiela

 



SUBIELA, ELISEO. (Argentina, 1944-*). Mais conhecido por seus filmes "realistas mágicos" e a ficção científica sucesso internacional, Hombre Mirando al Sudeste [Homem Olhando para o Sudeste, 1986), Eliseo Ignacio Subiela é um dos mais proeminentes realizadores sul-americanos dos últimos trinta anos. Nasceu em Buenos Aires, estudos letras e filosofia na Universidad de Buenos Aires e cinematografia na Escuela de Cine de la Plata. Produziu, escreveu e dirigiu seu primeiro curta, Un Largo Silencio, em 1963, filmado pelo cinegrafista Juan José Stagnaro. Realizou outro curta em 1965 e depois foi um dos nove diretores e três roteiristas (e dez produtores/diretores de fotografia/editores) do bastante longo (210 minutos) documentário Argentina, Mayo de 1969: Los Caminos de la Liberación (1969). Talvez a participação de Subiela nesta obra radical de esquerda delimitou sua habilidade para trabalhar na indústria de cinema, particularmente após o golpe militar, mas em qualquer evento tornou-se um bem sucedido diretor de comerciais e não escreveria ou dirigiria seu primeiro longa de ficção até 1981, La Conquista del Paraiso.

O segundo longa, Homem Olhando para o Sudeste, foi premiado no Festival Internacional de Cinema de Toronto, em setembro de 1986, onde venceu o Prêmio Internacional da Crítica. Não foi lançado na Argentina antes de abril de 1987, mas já tendo ganho a reputação ao redor do mundo de um notável sci fi, objetivo que talvez não tenha sido intencional. Um homem, Rantes (Hugo Soto), aparece subitamente no hospital psiquiátrico Borda, nas cercanias de Buenos Aires. Com nenhum histórico aparente, Rantes impressiona um dos psiquiatras (Lorenzo Quinteros) como sendo um notável ser humano, e tornam-se amigos. Nenhuma explicação é dada de sua proveniência. Uma explicação é que ele é de outro planeta - passa boa parte do tempo olhando para o sudeste -e outro é que Cristo retornara à Terra. Rantes preocupa-se com a deterioração do planeta e a opressão dos fracos,e parece ter poderes telecinéticos. 

Um bastante sutil e ambíguo filme metafísico, Homem Olhando para o Sudeste possui um estilo visual livre, com uma paleta de cores quase monocromática de marrons e cinzas. Contrapondo-se aos críticos que sentem a ambiguidade do personagem de Rantes se indispor à abordagem ética do filme, Federico Hidalgo argumenta que "no contexto de um país [Argentina] ainda sofrendo sobre as revelações de seu passado recente, ainda tentando compreender o "desaparecimento" enquanto modus político, Hombre Mirando al Sudeste faz uso do signo do alienígena para refletir sobre a presença dos fantasmas que continuam vagando entre nós." (Barnard e Rist, 1996, p. 73). O mais bem sucedido filme local nas bilheterias, virtualmente varreu os prêmios da Associação dos Críticos de Cinema Argentinos, ganhando noves Condores, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor. Ainda que este filme permaneça como seu melhor, os dois filmes seguintes de Subiela cimentaram sua reputação como diretor líder de filmes realistas mágicos sul e centro-americanos. 

Premiado na competição no Festival de Cinema do Mundo de Montreal, Últimas Imágenes del Naufragio (1989) venceu o prêmio de Roteiro, assim como os prêmios FIPRESCI e ecumênico. Roberto (Quinteros), escritor sofrendo de bloqueio criativo, salva Estela (Noemí Frenkel) do suicídio. Ela é prostituta, e ele encontra em sua bizarra família - uma irmão está construindo um avião no telhado, o outro é ladrão e um terceiro está fazendo coisas estranhas nas paredes de seu quarto - material para seu romance. A mise-en-scène de Últimas Imágenes é memorável - fantasmas de Estela visitam-na em um ônibus; a cama de Roberto flutua em um mundo inundado - mas o filme foi criticado por utilizar personagens como símbolos e por seu pesado ritmo. No entanto, venceu o Grande Coral (primeiro prêmio) do Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano (Havana), e seguindo seu lançamento na Argentina, em 1990, venceu oito condores em 1991, incluindo novamente Melhor Filme e Melhor Direção. 

O longa seguinte de Subiela, El Lado Oscuro del Corazón (O Lado Escuro do Coração, 1992), foi uma co-produção argentino-canadense e, como seus predecessores, teve sua estréia mundial no Festival de Cinema do Mundo de Montreal, onde venceu o Grande Prêmio das Américas (principal láurea). Também protagoniza um escritor, desta vez um poeta e mulherengo, Oliverio (Darío Grandinetti), que literalmente "despeja" mulheres sobre sua cama, após tê-las seduzido. A prostituição se torna ainda mais tema deste filme, com Oliverio se prostituindo ao recitar poemas para os motoristas de carros numa rua por comida. E, por fim, tem as estratégias sexuais/românticas voltadas contra si, quando Ana (Ballesteros), uma prostituta, conquista seu coração. A sexualidade se encontra em todo lugar no filme, incluindo a escultura de um dos amigos de Oliverio. E a "morte" faz sua aparição numa mulher vestida de preto. O Lado Escuro do Coração alcançou a sétima renda nas bilheterias argentinas de 1992. Proporcionou a Subiela seu segundo Coral e o terceiro Condor de Prata de melhor diretor dentre os vários prêmios internacionais, e foi o segundo filme do realizador submetido aos Oscars, ainda que como o primeiro, Homem Olhando para o Sudeste, não recebeu a indicação.

Desde 1995 Subiela tem trabalhado de forma muito mais regular, escrevendo e dirigindo longas para o cinema, assim como dirigindo três filmes para a TV. Também ensina cinema. Mesmo que nenhuma de suas obras recentes tenha sido tão bem sucedida no circuito dos festivais de cinema internacionais,como seu três filmes prévios, continua a ser uma figura popular em Montreal, vencendo o Prêmio do Público por No Te Mueras Sin Dicerme Adónde Vas (1995). Las Aventuras de Dios (2000) esteve em competição (mas não venceu nenhum prêmio), enquanto No Mires para Abajo (2008), venceu o Prêmio Gláuber Rocha (também votado pelo público) de Melhor Filme Latino-Americano. Subiela também realizou uma sequencia, El Lado Obscuro del Corazón 2 (2001), pelo qual recebeu uma indicação de Condor de Bronze e venceu o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cinema Latino-Americano de Huelva (Espanha). Mais importante, dirigiu um filme digital de baixa tecnologia, Paisajes Devorados (2012), com seus estudantes,  um "mockumentary" sobre um grupo de jovens realizadores entrevistando um cineasta "louco", interpretado por Fernando Birri. Subiela aparentemente retornou as hoje decrépitas locações de um hospital psiquiátrico que utilizara para Homem Olhando para o Sudeste e produziu uma de suas melhores obras.

Texto: Rist, Peter H. The Historical Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 542-45.

(*) N. do E: falecido em 2016. 

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