Filme do Dia: Grave (2016), Julia Ducournau

 


Grave (Raw, Itália/França/Bélgica, 2016). Direção e Rot. Original: Julia Ducournau. Fotografia: Ruben Impens. Música: Jim Williams. Montagem: Jean-Christophe Bouzy. Dir. de arte: Laurie Colson. Figurinos: Elise Ancion. Com: Garance Marillier, Ella Rumpf, Rabah Nait Oufella, Laurent Lucas, Joanna Preiss, Bouli Lanners, Marion Vernoux, Thomas Mustin.

Justine (Marillier) é uma jovem virgem que abandona pela primeira vez a vida em família para ir morar no alojamento universitário da renomada escola de veterinária Saint-Exupery. Seus pais (Lucas e Preiss) esperavam que a irmã mais velha de Justine a encontrasse, o que não acontece. Justine é recepcionada como caloura através de um trote um tanto agressivo, acordada no meio da noite e levada para o que parece ser uma sessão de torturas, mas que se vem a descobrir uma agitada balada. Seu companheiro de quarto não é, como esperava, uma mulher, mas o gay Adrien (Oufella). Sua irmã, Alexia (Rumpf) a encontra no meio da festa. Quando se encontra com a irmã e descobre que essa perdeu um dedo, Justine começa a provar o dedo e acha interessante o sabor.  Porém, como quando se encontrava com outro homem, sua agitação é grande e para não feri-lo ela morde o próprio braço. Convivendo tensamente com seus colegas, que tendem a hostiliza-la e humilha-la, Justine busca apoio em Adrien, com quem chega a manter relações sexuais. Porém, um vídeo seu, quando se encontrava completamente embriagada, é realizado em uma câmera de necrotério em que ela tenta avançar sobre o cadáver que lhe é oferecido. Enfurecida com a irmã, que a levou a passar por tal humilhação pública, briga em público com essa, resultando em fortes agressões de ambos os lados. Porém, o pior ainda estará por vir.

Parecendo um pálido reflexo do recorrente (Sangue de Pantera, Repulsa ao Sexo, Carrie, a Estranha) tema das ansiedades femininas com relação à própria sexualidade se transformando em atos violentos e fora de controle o filme, infelizmente, talvez apenas na sua terça parte final consiga evoluir, de um esquálido e pretensioso estudo atmosférico para algo um pouco mais denso e, de fato, envolvente. Se o elemento gore incomoda enquanto aparentemente algo exclusivamente sensacionalista, também será redimensionado posteriormente, por mais que Ducournau não seja nada modesta em termos da exibição de carne humana, a determinado momento semi-dilacerada. Mais importante que isso, no entanto, é que os clichês, que pareciam fortemente antenados a um recorrente politicamente correto, vão sendo aos poucos esvaziados de sentido. Justine deixa de ser virgem, por exemplo, mas sua ansiedade por sangue e carne humanas parece apenas aumentar. O fato dela ser agressiva com um homem hétero mas não com um gay se não chega a ser desfeito, sofre uma inflexão radical a determinado momento da narrativa. A sua postura relativamente pudica que poderia ser associada com sua estranheza em relação ao excessivamente hedonista mundo dos jovens que a cercam, que também poderia gerar outra polarização simplória, torna-se atenuada não apenas pelo ingresso de Justine ao mundo do sexo mas como pela descoberta de que sua irmã, há muito tempo sexualmente liberada, possui um interesse ainda mais intenso que o de Justine por sexo e carne humanas. O filme parece, no entanto, patinar, em última instância, entre um banal thriller e algo de pretensões que vão um pouco além do cinema de gênero, tal como as interpretações de uma sofrível Alexia a um excelente Adrien passando por uma interessante Justine e uma nada expressiva mãe. A forma um tanto excessiva que o hedonismo juvenil é apresentado em seu primeiro terço soa contraproducentemente maquínico e a solução final buscada um tanto decepcionante golpe de efeito, mas ao menos do primeiro ainda se pode por na conta de ser um imaginário filtrado pelos olhos de uma garota recém-chegada e, aparentemente, um tanto quanto superprotegida pelos pais. O momento em que os calouros são levados até a festa-surpresa, caminhando de quatro como cães, é uma evidente referência ao Saló de Pasolini ou, ao menos, ao Sade que inspirou àquele, assim como o nome da própria Justine. Marillier, que até então somente havia realizado curtas, estreou como atriz com a própria cineasta, vivendo uma personagem chamada igualmente Justine, em Junior (2011). Petit Film/Rouge Int./Frakas Prod./RTBF/Voo/Rouge International. 99 minutos.

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