Filme do Dia: Ponteio (1941), Humberto Mauro
Ponteio (Brasil, 1941). Direção:
Humberto Mauro. Fotografia: Manuel P.Ribeiro. Música: Heckel Tavares. Montagem:
Humberto Mauro.
Um dos mais belos curtas realizados
por Mauro para o INCE. Nessa produção ele conquista um raro equilíbrio entre um
lirismo longe de excessivo (ao contrário de boa parte de sua produção
posterior, em que por vezes, descamba para pieguice como em Meus Oito Anos) e, mesmo com os parcos
recursos que lhe eram destinados, consegue não apenas uma notável edição de
som, apresentado no momento em que o violeiro demonstra sua virtuosidade diante
do maestro Heckel Tavares, como uma poética de imagens que consegue fazer uso
expressivo da sobreposição das mesmas para apresentar no momento da execução da
peça, através do arranjo de Tavares, observar-se motivos que remetem ao mundo
folclórico que a peça evoca. Ou ainda a montagem, que elegantemente, destaca
cada um dos naipes de músicos que se destacam em determinado momento da
composição –a cargo de um não menos elegante movimento suave de câmera que flui
por entre os violinistas. E, noutro momento, acentua o diálogo entre a
expressividade dos gestos do maestro e os pequenos grupos de músicos numa
dinâmica evocativa do plano/contraplano. Mauro, de um modo geral, sai-se bem
melhor ao se afastar dos trabalhos de encomenda nos quais não consegue dar azo
a sua criatividade. Abandonando o tom eulogista que acompanha algumas figuras
célebres ou temas históricos que aborda entre as muitas dezenas de produções
que realizou para o instituto, ele encontra a feliz solução de fazer uso
somente de imagem e som, como que há ressaltar ainda mais o paralelo entre a
sinfonia executada por Tavares junto com a Orquestra Sinfônica do Rio de
Janeiro e a sinfonia de imagens relativamente discreta elaborada pelo próprio
Mauro. Se dois planos dão conta do momento de transição entre o campo e essa
recepção “do popular pelo erudito” e o momento solene da apresentação musical,
que são os que apresentam Tavares trabalhando na composição de seu arranjo, uma
sobreposição dividirá a imagem entre o piano, os músicos e o violeiro. Se muito
ocasionalmente o casamento entre imagens e música, como o dos planos algo
demorados das velas dos barcos não é exatamente dos mais inspirados, ou se a
aproximação de Heckel do violeiro se dá de forma algo artificiosa e pouco
espontânea, esses são pecadilhos menores de um curta que poderia ser exibido
sem grandes favores junto ao que havia de mais interessante na produção
documentária contemporânea similar ao redor do mundo. Ao final orquestra e
maestro são observados em conjunto de uma certa distância, ressaltando a
execução final do movimento. O filme nem se presta a emular a presença de qualquer
plateia – caracterísitica aliás presente
até mesmo em obras ficcionais contemporâneas do realizador como a palestra do
antropólogo Roquette Pinto em Argila,
ficando evidente que os músicos estão se apresentando mesmo é para a câmera do
realizador. Ou ainda mais evidentemente a problematizar a evidente relação de
apropriação pela cultura erudita da arte popular, apresentada aqui de forma
quase caricata na escuta interessada do maestro da arte do violeiro. INCE. 10
miinutos e 7 segundos.
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